quinta-feira, 14 de maio de 2020

Festa Julina Escola A Caminho da Luz

19 pequenos vídeos
Ano Cabra Madeira -  12/07/2015 
Comunidade Céu da Montanha
Ponte dos Cachorros - Bocaina de Minas/MG 

Com Forró, Pura Luz, Dança da Fita, Cama Elástica, Corrida de Sacos, Quadrilha, fogueira e a galera da região
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Aníver do Ruda, no Véu de Noiva













sábado, 9 de maio de 2020

Por que a educação deveria parar na quarentena

Por que a educação deveria parar na quarentena

por Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP)

Em As palavras e as coisas, Michel Foucault (foto abaixo) argumentou que determinados acontecimentos históricos forjaram os contornos precisos de como, no Ocidente, trabalhamos, vivemos e falamos, espécie de espelho embaçado de nossa consciência. Foucault conclui a obra com a elegante aposta: “Se estas disposições viessem a desaparecer tal como apareceram, se,  por algum acontecimento, de que podemos quando muito pressentir a possibilidade, mas de que no momento não conhecemos ainda nem a forma nem a promessa, se desvanecessem – então se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia”.
Talvez a pandemia do COVID-19 seja a passagem ao ato de nosso rosto desaparecendo na areia. É bem provável, embora apenas estejamos pressentindo, que as condições e os modos históricos de como concebíamos a vida, as relações de trabalho e a consciência em torno de nossa finitude e de nossas relações sociais alterem-se por completo. E possivelmente, aqui, a educação esteja cometendo equívocos.
A pandemia é um labirinto profundo. Não sabemos quando dela sairemos, nem com quais consequências e alcances sociais. É fato, contudo, que alguns aspectos emergiram incontestes, dentre eles: o erro de se pensar que o Estado era dispensável; que neoliberalismo nos olhos dos outros é refresco – de repente, por exemplo, os EUA se tornaram ultraprotecionistas; percebemos que o capitalismo possui um teto de vidro bem baixo, além de frágil;  vimos que a condição humana é mais delicada do que supunha a “vã” tecnologia, inclusive com mais vulneráveis do que a grande mídia expunha;  enfim, tivemos a contraprova de que as pessoas, de carne e osso, são importantes para a nossa sanidade, alegria, projetos, sonhos, luto, luta etc. O que isso, porém, diz respeito à educação?
Em tempos de quarentena, o privatismo que assola a educação básica e superior no Brasil se vê forçado a continuar com suas atividades, claro está, porque se considerada um prestador de serviço. Se não há prestação de serviço, qual a razão de se pagar por ele? Eis uma armadilha. Ademais, muitas dessas instituições são cifras rentáveis na Bolsa de Valor. Nesse caso: educar = lucrar.
Mas educadores não prestam serviço, tampouco são corretores mercantis. Educadores são cúmplices com a vida, com seus desafios, com suas transformações, sua história, ou seja, com as conquistas, os erros, os fracassos e os desafios da longa história humana. Educadores são minas de novos desejos para novos tempos; eles não podem ser papagaios, ainda que bem treinados, a repetir o que diz a apostila ou o livro – eles criam pulsões de vida para além de qualquer índice; eles desenham novos horizontes, com a própria vida, para os que estão entrando na vida. No privatismo, entretanto, a educação quase sempre se reduz a um propósito comercial, lucrativo, objetivado, logo, não se pode parar.
O curioso são as mentalidades que acabam sendo sequestradas pelo privatismo quando deveriam combatê-lo. Elas estão, inclusive, na arena pública. Em algumas Universidades Públicas, agora, mostram-se os dentes os burocratas de plantão, às vezes raivosos, dizendo: “não podemos parar!”; “O ensino não pode parar!”. São homens ocos, como disse Rilke. Errado: temos de parar. O tempo nos impõe o estio: paremos! Por quê? Porque precisamos nos distanciar das mesmas demandas, vistas com os mesmos óculos epistemológicos e negociáveis. Já não seremos os mesmos homens e as mesmas mulheres; precisamos parar com a livecização fútil e banal do conhecimento, como se todos tivéssemos respostas para tudo. Temos de ruminar novas respostas que não surgem da noite para o dia; precisamos fazer da parada uma crítica ao doentio sistema capitalista. Este sistema que ocupa nossos afetos, energias, percepções 24h/7 dias; que parasita e vampiriza as relações humanas, reduzindo-as aos protocolos. É necessário ainda recalibrar os valores da vida. Isso não se faz continuando com o que não se sustenta mais: velhas práticas perante um mundo que, doravante, sequer conhecemos: “nem a forma nem a promessa”, como argumentou Foucault.
Michel Foucault – Wikipédia, a enciclopédia livre 
E mais, é forçoso parar para não sermos cúmplices dessa exposição comunicacional que agencia controle de nossas ações e desejos (vide Eterna Vigilância, de Edward Snowden ou The Shallows What the internet is doing to our brains, de Nicholas Carr); precisamos parar para denunciar que na educação básica, o investimento por aluno nas instituições públicas brasileiras é em torno de US$ 3,800.00, menos da metade da média dos países da OCDE – US$ 9,300.00, a despeito dos mais de 5% de investimento do PIB em educação, logo, insuficientes. Aliás, isso denuncia que o Brasil é um país desigual e injusto; com demandas profundas, acompanhadas, ao longe, por uma elite sem remorso e escrúpulo com tal injustiça. Afinal, seus filhos estão nas escolas privadas.
As instituições privadas de ensino negociável deveriam parar, assim, assumindo, de fato, um papel social e crítico: reconhecer que são cúmplices na desigualdade e na injustiça social. O calendário escolar – todo ele – deveria parar: ciclos, etapas, vestibular, ENEM etc. Ora, mas que loucura, até quando? Até nos darmos conta que não seremos mais os mesmos; que não podemos continuar mais os mesmos; que educar não é um negócio! Se alguém perguntar, porém, mas quem pagará a conta? É porque já se quer continuar sendo o mesmo, vislumbrando um mundo no qual já não deveria habitar de modo igual ao que era.
Seria o momento para a educação estimular o ócio criativo, artístico, sensitivo, solidário, dialógica, não competitivo – educar não é fazer do homem o lobo do próprio homem; seria o momento dos educadores lerem fora de suas jaulas, sobretudo os seus burocratas – “ler abre jaula”, defende a educadora pernambucana Adalgisa Leão Ferreira; seria o momento de denunciar a mcdonaldização da educação, com seu esquadro de calculabilidade, eficiência, previsibilidade e racionalidade padronizadas; seria o momento dos educadores se acumpliciarem com outros níveis de humanidade, com mais afeto, solidariedade, justiça social, democratização dos saberes fora das competências prêt-à-porter do capitalismo; seria o momento da educação se desencaixar da sociedade para produzir movimentos tectônicos nas certezas viciadas, superficiais, nos arremedos de conhecimento e na urgência dos imperativos de investimento-retorno-lucro.
Como no quadro de Magritte, seria bom parar, tirando os calçados dos hábitos daquilo que, até bem pouco tempo, imaginávamos ser verdade absoluta. Sob a iminência de um novo rosto surgir para a nossa condição humana, igualmente, não seria uma nova educação que precisaremos produzir para todos nós? Pensar leva tempo, responder também assim o deveria. Paremos, pensemos; sejamos menos apressados, pois viver leva tempo, assim como estudar, aprender e humanizar-se.
 
 
 SupraVivente  #JTI
 

sexta-feira, 8 de maio de 2020

A Criança 'má'

A sociedade adora uma história de terror protagonizando crianças (como esta, ou esta, ou esta, ou esta…). Mas gosta ainda mais quando a história é baseada em acontecimentos reais.
Vira-e-mexe eu recebo um link de uma reportagem ou artigo que fala sobre a maldade infantil. É um clichê: começa com a “bomba” de que existem crianças más (e a contraposição disso à suposta percepção reinante de que elas sejam puras e inocentes), daí vêm referências a estudos que indicam que a criança já nasce má e exemplos de manifesta maldade infantil, e, às vezes, algumas palavrinhas de profissionais da área psi nesse sentido. Enfim: tenham medo, pais, muito medo. Se vocês bobearem, vocês poderão ser os próximos.
Mas o que é uma criança má? E o que é uma criança “boa”?
Eu concordo com a percepção de Alfie Kohn, autor de Unconditional Parenting: para o senso comum, a criança “boa” é a criança que não incomoda.
Pessoas adultas incomodam o tempo todo – falam alto demais, se comportam de forma que não é apropriada para o ambiente ou o momento em que estão. Mas isso é considerado direito deles e só lhes acarreta sanções em casos extremos. As crianças, em compensação, não podem fazer barulho, não podem ter um dia ruim, não podem ter atendidas as suas necessidades de movimento, de atenção, de cuidado, de brincadeira. As crianças têm que se submeter. Por quê? Porque podemos fazer com que se submetam, claro.
As pessoas gostam de falar como se o existisse de fato um “tabu da inocência infantil”, e que ele protegesse indevidamente a criança, conferindo-lhe alguma espécie de vantagem em relação à pessoa adulta. Um privilégio, quem sabe.
Muito ouço falar desse tal tabu, mas não vejo. A presunção de inocência que eu conheço só existe para es adultes. Para as crianças, o que observo é uma expectativa, uma exigência de inocência sobre-humana que, quando frustrada, se transforma em prova de malícia intrínseca, ensejando as mais cruéis punições. O fato de que, ainda hoje, em pleno século XXI, a maioria das pessoas defende a violência contra a criança (seja física, verbal ou psíquica) como algo necessário para a educação comprova isso, especialmente quando analisamos a quantidade de situações em que esses castigos se agravam a ponto de se causar lesões e mortes.
O que me chama a atenção nesse tipo de artigo é que a informação de que há crianças psicopatas não é passada de forma neutra. Ela é exposta de forma sensacionalista, indiretamente apoiando a tese não só de que há algumas raras crianças más, mas de que as crianças, como um todo, “não são boas”. E daí para a reafirmação da antiquíssima (mas infelizmente ainda em voga) noção de que elas são, portanto, todas más (e que nos cabe torná-las boas através da punição), é um pequeníssimo pulo, porque é dessa forma maniqueísta que o senso comum trabalha – ou é tudo, ou é nada. Ou as crianças são todas puras e angelicais, ou são todas demoníacas. É esta, aliás, a essência da “Pedagogia Venenosa” (Schwarze Pädagogik) denunciada por Alice Miller em seu livro For Your Own Good – a ideia de que as crianças estejam inoculadas pelas sementes do mal e nos caiba arrancar isso delas, mesmo que na base da violência.
De fato, parece-me que o intuito de todos os textos desse tipo que eu, por infelicidade, li, era, subliminarmente, embasar a punição das crianças por sua suposta malícia, dentro da dinâmica de exigir o inexigível e depois repudiar a realidade.
Mesmo em relação a bebês com poucos meses de vida podemos verificar essa forma de pensar. Ainda mais abundantes que os textos que falam da tão horripilante maldade infantil são os que falam, velada ou escancaradamente, da criança ainda muito pequena como um Rasputin em miniatura, um ser maléfico e manipulador, que busca dominar os pais e adestrá-los e que, portanto, devem os pais retribuir na mesma moeda (o que não me pareceria uma atitude muito madura mesmo que eu acreditasse na premissa de que ela parte).
Segundo essa lógica, toda criança é um psicopata em potencial e cabe aos pais evitar que esse potencial se realize, “impondo limites”. Não ensinando princípios, não passando valores, mas impondo limites. Aparentemente, o que queremos criar não são pessoas íntegras, mas pessoas limitadas. E é bem isso o que sobra dessas crianças cuja “altivez” foi quebrada: pessoas limitadas. Limitadas a reproduzir a violência que sofrem, a obedecer quem lhes parece mais forte, a só reconhecer em si os sentimentos que não forem vergonhosos, ou incômodos para outrem.
E dizer que a criança é má porque nasce má, apesar de ser reconfortante para os pais (“não é culpa nossa, já veio quebrado”), não é necessariamente verdade. Ainda que haja pesquisas apontando evidências de configurações neurológicas e genéticas que levam à psicopatia, há também estudos que demonstram que o cérebro da criança é bastante moldável a partir das experiências que ela vivencia. Veja aqui um artigo muito interessante a esse respeito.
Mesmo porque, se o meio não tem influência sobre a criança, então não há “limites” que resolvam o problema. Ou será que o meio é relevante o suficiente para nos sentirmos justificados em nossas punições, e irrelevante o suficiente para não nos responsabilizarmos pelees adultes que nosses filhes se tornarão? Que conveniente.
Eu tenho para mim que, ainda que nem todas as vítimas se tornem um dia algozes, todos os algozes foram um dia vítimas. E talvez o que tenha acontecido com eles sequer seja reconhecido como violência, de tão normalizado que está. No livro que citei acima, Alice Miller demonstra muito eficientemente a banalização, deslegitimação e silenciamento do sofrimento na infância e suas consequências nefastas, usando como exemplos Hitler e Christiane F., entre outros.
Isso quer dizer que acho que não devamos responsabilizar as crianças (ou es adultes que elas se tornam) pelos seus atos? Não. Isso quer dizer que acho que não devemos usar a alegação de responsabilização das crianças para nos escusarmos de reconhecer nossas próprias responsabilidades como mães, pais, educadorees e, em geral, pessoas adultas que interagem com crianças, queiramos ou não, porque elas fazem parte da nossa sociedade, apesar de serem constantemente tratadas como cidadãs de segunda-classe.
Ninguém pondera sobre as motivações dessas crianças que se tem tanta convicção de serem tão más. O que leva, por exemplo (como num caso citado em uma das matérias que vi), um menino a mentir sistematicamente para fazer com que suas babás sejam despedidas? Talvez ele sinta que, assim, seus pais terão que ficar com ele; talvez ele esteja rejeitando a presença delas em sua vida, rejeitando a ausência dos pais. Não parece que deve haver algum motivo para que uma criança esteja disposta a machucar a si própria para se ver livre de alguém ou de alguma situação? Não seria melhor tentar conversar com ele e entendê-lo, do que simplesmente rotulá-lo de delinquente e puni-lo, só porque esta é a opção mais fácil e confortável para os pais?
Ao invés de lidar com o que ocorreu no momento, não seria melhor lidar com a causa para isso, de forma a prevenir acontecimentos futuros similares?
Não. A maldade começa e termina na criança. Nós somos grandes, elas são pequenas. Não temos que nos reexaminar, não temos que repensar nossas posturas, nossos atos, exemplos, palavras. Não temos que revisitar nossos próprios traumas, analisar nossos desejos e temores.
Não temos que… e não queremos. Mas acho que devemos.

(copiado de https://leticiapenteado.wordpress.com/2014/05/07/a-crianca-ma/)