Para quem não conhece, é preciso lembrar que até
meados de 2016 a região de Visconde de Mauá foi um paraíso
ecológico. Sim, quem for agora pra lá vai se espantar e dizer que
estou mentindo, como que o bairro de motéis de luxo da Grande
Resende foi um paraíso? Só as pessoas mais velhas podem se lembrar
disso.
Existem
as fotos e vídeos, mas com o aperfeiçoamento do Vídeoshop e
Photoshop, muitos não sabem distinguir o que foi real e o que é
montagem. Mostrei vídeos da cachoeira do Escorrega pros meus netos e
eles duvidaram da veracidade deles, achando que eram montagens.
Perguntaram: como
que o Tobogã de Água Quente da Maromba foi uma Cachoeira Natural??
Visto esse desconhecimento dessa geração, resolvi
escrever um pequeno histórico, é de memória, pois sabemos que a
grande catástrofe de 2019 acabou com os aquivos da época.
- Até a virada do Milênio, Visconde de Mauá era considerada um paraíso natural. Atraía pessoas de todo o Brasil pra aproveitarem de suas cachoeiras e matas (sim havia matas fora do Parque Nacional). Mas além de atrair turistas que gostavam da natureza, começou a atrair grandes empresários que perceberam que poderiam lucrar muito numa região em que a população trabalhava pra manter um turismo pequeno porém ecológico.
- Na primeira década do século, esses empresários foram fortalecendo uma associação comercial, chamada MAUATHUR, que nasceu pra atender a demanda de comerciantes frente a uma administração pública ausente. (Sim, meus netos, na origem essa MAUATHUR, que foi proibida em 2017 e teve todos os seus diretores presos, teve um papel positivo na região).
- Hoje é sabido que a MAUATHUR comprou governantes estaduais pra criarem em 2007 o Projeto de Asfaltamento a Qualquer Custo, mas pra manipular a população chamaram de Estrada-Parque (sim, meus netos, sei que o nome é tão ridículo como o outro, pois se é estrada não é parque, mas isso enganou a população na época).
- Como na Folha de Propina (chamavam de folha de pagamento na época em que o caixa 2 era proibido) constavam juízes, presidentes de órgãos ambientais e prefeitos (sem falar da imprensa), o processo foi muito rápido.
- Entre 2008 e 2009 conseguiram no lado oficial diminuir ao máximo as leis ambientais pra fazer do jeito que queriam, e do lado popular compraram as Associações que tinham comerciantes ingênuos que seguiam suas ordens através da manipulação de informação.
- Entre 2010 e 2011 fizeram a obra de asfaltamento da RJ-163, conseguiram acabar com a potabilidade da água de todo o entorno da estrada, deixando cicatrizes irremediáveis na Serra da Pedra Selada.
- O mais absurdo de tudo, meus netos, é que diziam que tinham feito as obras de Esgoto e Saúde necessárias na região. Até o correio era inexistente, os moradores de Itatiaia tinham que se deslocar até uma agência em Resende pra pegar suas cartas e contas. Entende-se o contexto visto que o prefeito da época era dono de hotel em região concorrente - o hotel dele era na entrada do Parque Nacional e fez de tudo pra diminuir o turismo dos fundos do Parque Nacional, chegando ao ponto de não mais fazer a manutenção das estradas de terra (o que iludiu alguns moradores a apoiarem as teorias mafiosas das associações e seu asfalto a qualquer custo).
- Não havia médicos nem hospitais e queriam aumentar a carga de turistas circulando. Quando a população perguntava sobre essas benfeitorias, os governantes diziam que a estrada estava boa, então que buscassem esses serviços no centro, pois o deslocamento seria rápido (muitos morreram dentro das ambulâncias presas nos congestionamentos na serra).
- Sobre o esgoto, a coisa era a mais absurda de todas: a MAUATHUR defendia a teoria de que a merda mineira não era poluente, somente a merda fluminense. Assim, fizeram estações de tratamento (usando tecnologia obsoleta – acabando a luz, a merda vai pro rio) somente de um lado do rio, pra justificar o asfaltamento entre as pequenas vilas da região.
- Teve uma data histórica, 26 de junho de 2012, quando um PERITO visitou a região, e autorizou a execução da obra na RJ-151. Houve manifestações da MAUATHUR e sua filial ASSOMIR (esta associação era descarada, se dizia de moradores mas só defendia o interesse dos comerciantes, se dizia a favor dos Bloquetes mas lutava pelo asfalto da MAUATHUR) em prol do Asfalto a qualquer custo, e a população local pela última vez caiu naqueles argumentos. Não se pôde fazer nada naquele ano, pois era ano eleitoral, mas o DER justificou somente fazer obras de manutenção pra DUPLICAR a largura da estrada.
- Em 2013 e 2014 asfaltaram a RJ-151 e aproveitaram pra asfaltar os principais vales da região. Somente Minas Gerais ficou sem obras e isso ajudou na preservação por alguns anos. Curioso que o município mais pobre dos 3 da região sempre foi o mais sofisticado e ecológico.
- Já no final de 2013 a população percebeu os erros cometidos, mas era tarde. No verão de 2013/2014 o cheiro do rio Preto na Vila de Mauá estava insuportável (isso que ainda fizeram medidas compensatórias, mas nada funcionou), ou seja, perceberam que a merda de Minas Gerais era tão prejudicial quanto a do Rio de Janeiro, e fizeram estações no lado mineiro.
- O trânsito ficou tão ruim que construíram pontes e duplicaram e asfaltaram as estradas mineiras. A cada intervenção destas, os associados da MAUATHUR recebiam fortunas em desapropriação e os comerciantes locais e tradicionais (das famílias mais antigas) tiveram de mudar pra longe, somente a família Bruller que soube preservar seu entorno e ecologia conseguiu criar uma ilha de vegetação e mata fora do Parque Nacional.
- Em 2014 as festas populares perderam totalmente o público vindo de fora, pois a cidade estava mais fedida que o Rio Tietê (antes desse ser canalizado e soterrado).
- No inverno de 2014, mesmo com as novas estações de tratamento de esgoto o cheiro alcançou as vilas de Maringá, acabando com o turismo nessa região. Somente a Maromba recebia turistas, e os que tinham condições vinham de helicóptero pra evitar o mau cheiro das vilas da chegada.
- A essa altura, os tubarões da MAUATHUR e ASSOMIR se afastaram da região (segundo se fala, foram destruir e enriquecer em outras regiões mais afastadas). Alguns antigos tentaram ainda fazer algo e a última proposta foi a canalização do Rio Preto, entre a Maromba e a Ponte dos Cachorros. Por cima do Rio Preto construíram as vias rápidas, mas que comparadas à época da estrada de terra só se consegue chegar a metade da velocidade de antigamente, pois o congestionamento não se consegue evitar. Agora falam de fazer um rodízio de placas nas estradas de Visconde de Mauá...
Enfim, meus netos, sou a favor que no lugar do rodízio
se faça uma ciclovia e uma faixa de trasporte coletivo. Mas meu
sonho mesmo é que se destrua o Canal Osvalldo Cão pra tentar
recuperar o antigo Rio Preto, mas sei que isso é sonho de velho e o
progresso tem de continuar (ouço isso desde a Rio 92). Quem sabe na
Rio+30 deste ano conseguiremos verba pra mudar a região...
Rui Thakeguma, 19 de junho de 2022
(este
texto foi publicado nos principais Jornais e Revistas do Brasil em
2022 – obviamente
é um texto fictício e qualquer coincidência com a realidade, é
mera coincidência)
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